sexta-feira, 13 de novembro de 2015

Um lanche que nunca aconteceu

Os adultos sempre me disseram que eu gostava de comer muito, que o meu apetite parecia não terminar.
Por vezes achava que eles exageravam um pouco e que era impossível eu comer assim tanto. Pensava que as pessoas crescidas queriam apenas que lhes achasse piada…
Um dia, quando tinha três ou quatro anos, não me lembro bem, estava no jardim da casa da minha avó, junto a uma das escadas que sobem o relvado. Era pequeno, todas as coisas à minha volta pareciam enormes, como se fossem trepar para o céu. Por vezes não entendia bem como deveria olhar para elas e porque razões tinham de ser tão altas.
A hora do lanche aproximava-se. Quando a minha mãe, da parte de cima da escada, chamou para ir lanchar, pus-me em pé, acelerei escada acima sem pensar na altura dos degraus. Deviam ser enormes, porque tropecei, caí e magoei-me no lábio e nos dentes. Ficaram os adultos todos aflitos, a minha mãe agarrou em mim, que chorava agarrado ao seu “bebé” e, no carro, quase voámos para o hospital para que toda aquela dor parasse e, quem sabe, eu pudesse ainda ir lanchar.
Só que o dente que parti e um outro que ficou danificado fizeram com que o lanche não tivesse acontecido. Por isso, durante várias semanas, o meu apetite ficou à espera.

Mas valeu a pena. Fiquei bom e, até hoje, eu e o apetite somos inseparáveis. 

Pedro Luís

domingo, 8 de novembro de 2015

O sorriso que mudou o meu dia


Era um dia comum, uma manhã que apenas me torturava. 
Ia no carro com a minha mãe, no meu caminho habitual até à escola, até que ouvi no rádio algo diferente; o locutor dizia-nos para olharmos para aquele indivíduo do carro ao lado e sorrir, falar, fazer algo diferente. E, assim sendo, uns segundos depois, vejo as janelas dos carros a baixarem, incluindo a minha.
 Aquele nervosismo de fazer algo diferente, aquela antecipação de saber quem está do outro lado da janela, tudo isso ajudou a animar o meu dia. Ambos começámos a sorrir e a falar logo que as nossas caras se tornaram visíveis. Nunca antes tinha desejado que o sinal vermelho ficasse por mais tempo. Nunca me irei esquecer daquela cara, daquele novo amigo que fiz nesse dia.

  Gostei do que aconteceu? Sim. Gostaria que acontecesse de novo? Sim. Gostaria que acontecesse regularmente? Não. Se os acontecimentos especiais fossem comuns, então nada de especiais tinham e apenas se tornariam naqueles dias tediosos. 
Mas fico agradecido pelo amigo que recebi naquele dia.

César Freitas

Crónica muda

Saio da escola. Entro no carro. Fecho a porta. Arrancamos. 
Eu e a minha mãe somos os únicos ocupantes do veículo. Não dizemos nada, apenas a rádio faz com que o ambiente seja razoável. Vou o caminho todo à janela, mas não me agrada nada do que vejo.
Já ninguém sai para socializar com ninguém, já ninguém vai simplesmente apanhar ar puro, espairecer, refletir, estar consigo próprio um pouco. Limitam-se a estar em casa, fechados, sentados em frente à TV, ou agarrados às novas tecnologias, sem repararem no que está a acontecer lá fora.

Chego a casa como saí. Calado, mudo e com um objetivo como todos nós nos tempos de hoje. Mas não me apetece falar. Apenas fico, eu, aqui...

Sérgio Cruz